domingo, 28 de junho de 2009

Joana, Pedro e Adolfo eram três amigos inseparáveis que um dia foram separrados pela descolonização.

Era uma amizade incompreendido por uns, não aceite por outros e admirada por uma pequena fracção. Todos partilhavam o mesmo sentimento em relação a esta amizade: incompreensão.

Joana e Pedro eram primos e filhos de famílias importantes de Luanda. O Pai de Joana era militar e o de Pedro um conceituado médico.
Adolfo era filho do criado de casa de Pedro. A Mãe de Adolfo, criada da casa, morrera de parto. O Pai, na altura, motorista da família, sem saber o que fazer à criança pedira ajuda à Sra D. Maria Amélia, mãe de Pedro, que tendo dado à luz meses antes, logo se prontificou a cuidar da criança.
Assim a criança foi criada com Pedro. frequentou as mesmas escolas, usava as roupas que Pedro, mais velho uns meses e mais desenvolvido, deixava e ia de férias com a família.

Joana, visita assídua da casa dos tios, desde muito cedo partilhou as brincadeiras com os dois rapazes, que nutriam por ela um sentimento protector de 'irmão mais velho'.

Se hoje, em pleno século XXI, a amizade entre pessoas de diferentes raças é vista com desconfiança, nos remotos anos sessenta do século XX, muito mais era.
Quando as crianças entraram na adolescência e Joana se tornou numa linda jovem, foram muitas as vozes a advertir a esposa do Senhor Comandante, a Mãe de Joana, para o perigo daquela amizade. 'A menina Joana tem muito á-vontade com o negro. Não é saudável', advertiam as amigas da canastra, com quem a mãe de Joana se reunia todas as semanas.

Nada disto os separou. A verdade é que nem o Comandante, nem o Médico fizeram nada para tal. O Médico tinha confiança na educação que estava a dar ao rapaz e o Comandante tinha a filha como uma rapariga sensata.
As crianças cresceram e chegou a altura de irem estudar para a universidade. Mais uma vez, Adolfo não foi marginalizado e foi mandado com Pedro para a metrópole para continuar os estudos. Pedro estudaria medicina e Adolfo direito. No ano seguinte chegou Joana, que também ingressou em Direito.

Os três amigos eram agora mais inseparáveis que nunca. Os pais de Pedro tinham alugado uma casa no Porto e contratado uma governanta para tomar conta dos meninos.

Era uma amizade pouco compreendida, menos ainda na metrópole que em Luanda. Joana e Adolfo andavam sempre juntos. Era inevitável. Viviam na mesma casa, frequentavam o mesmo curso. Na faculdade de direito começaram a ser vitimas de discriminação. Adolfo porque era preto e Joana porque era amiga dele.

Passaram a viver entre perseguições da polícia política e do racismo dos colegas e professores. Tudo foi ultrapassado. Acabaram o curso, Pedro e Adolfo voltaram para Luanda. Joana ficou no Porto.

Pedro arranjou colocação no hospital de Luanda e Adolfo num escritório de advogados de Luanda.

Depois disso muitas coisas aconteceram. Pedro casou, Adolfo não. Não sabia bem porquê. Joana, essa também continuava solteira. Também não compreendia. Com o 25 de Abril, a família regressou toda para o Porto. Adolfo ficou em Luanda. Era a terra dele, onde estava a sua família.

Passaram-se trinta anos. Joana e Pedro, agora divorciado, resolveram voltar a Angola. Adolfo recebe-os no aeroporto.

Abraçam-se os três e choram, choram toda a saudade de 30 anos.

Racismo, sociedade, mentalidades, tudo mudo. A amizade deles não. Mantém-se firme e sólida como desde o primeiro dia.


Ficção para a Fábrica de Histórias

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