segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Muito Tempo, Uma Vida!


As partilhas estavam feitas. A casa vazia... não, ainda falta o Quadro das Árvores Verdes.
Era assim que eu chamava àquele quadro, que outrora enchera a parede e que agora se mantinha, no seu posto, que nem um fiel soldado, esquecido, desconhecido... ou abandonado, quem sabe!
Sempre conheci aquele quadro ali, pendurado, na parede de passagem do hall para a sala. 'Oh amigo, ainda estás? Esqueceram-se de ti... ou fizeram-se esquecidos?', disse eu para o quadro, como tantas vezes o fizera ao longo da minha vida. Aliás era a única pessoa, para além do meu avô, que dava pela presença dele na casa... e a prova estava aqui... esquecido!
A primeira vez que nos vimos, teria eu aí uns sete, oito anos, foi num daqueles dias difíceis para uma criança... de sete anos...
Era verão, toda a família estava reunida na Casa Grande, a casa do Avô. Os meus irmãos e os meus primos tinham ido andar de barco para o lago... eu não pude ir com eles, era muito pequena. Fiz uma birra tal, que nem a promessa de que a Zaida, a cozinheira, me fazia um bolo de chocolate, o meu preferido, me pôs bem disposta. O que eu queria mesmo era ir para o lago com os outros! Acabei, com isto tudo, por levar uma sapatada da minha mãe e ser mandada de castigo para o quarto!
Fui, não adiantava. Tudo que fizesse iria ser pior, ou seja, mais palmadas viriam! Já não tinha idade para fazer birras, mas também ainda não tinha idade para ir ao lago com os primos! Que chatice! Entrei dentro de casa, contrariada, em passo lento, com a voz da minha mãe ao fundo: 'E despache-se, é para ir mesmo para o quarto, não é para ficar na sala a ver televisão!'
Fui, mas fui devagar, acelerando o passo sempre que a minha mãe repetia o 'despache-se...', mas voltando à velocidade que eu escolhera logo de seguida: devagar, tão devagar que tropeçava nos próprios pés! E de tanto tropeçar, caí, caí em frente ao quadro! Fiquei ajoelhada a olhar para ele, como se de um altar se tratasse! Verde, a minha cor preferida, árvores... lindas e grandes! Perfeitas para trepar com os manos e os primos...tinha que chegasse pana todos! E tinha um caminho ao meio, comprido! Parei de chorar, olhei novamente para o caminho e surgiu a pergunta: 'Onde vai dar este caminho?' 'Ao lago?', o lago que ainda não me tinha saído da ideia. 'Mas se é ao lago, eu para ir para lá por este caminho preciso de muitos anos!' 'É tão longe, só lá vou chegar quando for como o Avô!' ' Meu Deus!'
De repente ouvi uma voz, ainda distante: 'A menina ainda aí está?' 'Caí, mãe!', disse eu recomeçando a chorar, levando-me logo de seguida, dirigindo-me para o quarto em passo acelerado.
Cheguei ao quarto, deitei-me em cima da cama, a olhar para o tecto e a pensar como seria e o que estaria no fim daquele caminho. Será que só quando fosse como o avô, lá chegaria....ou seria preciso ainda mais? Adormeci a pensar naquilo. Acordei com a barulheira do grupo que tinha chegado do lago. Vinha eufóricos, a tarde tinha sido em grande...
A minha mãe veio-me prepara para jantar e, quando descemos e íamos a passar pelo quadro perguntei-lhe: 'Mãe, quantos anos são precisos para fazer este caminho?' A minha mãe olhou para mim, para o quadro e respondeu: 'Muito tempo'. 'Muito tempo, como, mãe?' 'Uma vida', voltou ela a responder.
'Uma vida', pensei. Será que chego lá?
Sempre que por lá passava, as palavras da minha mãe, palavras que foram ditas por dizer, mas que me ficaram para sempre na memória, soavam dentro de mim: 'Uma Vida!'

História escrita para a Fábrica de Histórias

2 comentários:

Alberto Velez Grilo disse...

Gostei muito do texto, parabéns...

É curioso que quando somos pequenos tudo, ou quase tudo, nos parece grande.

Quando somos "grandes" à vezes nem reparamos nas pequenas coisas.

Reflexos disse...

Pois é, tudo é relativo, ou antes, quase tudo... a amizade, essa não se compara com nada.
Obrigada AMIGO :)