domingo, 1 de fevereiro de 2009

Naquele Tempo Só os Duros Sobreviviam

Quando chegou a casa já Rafael tinha o jantar pronto. Estes últimos dias tinham sido difíceis para ele também. Tinha suportado toda a logística caseira, o que não era fácil de conciliar com o emprego dele, que também lhe ocupava bastante tempo.

Estava exausta. Sentou-se no cadeirão da sala, tentou descalçar os sapatos atirando os pés para o ar, mas nada, os pés estavam maiores que os sapatos! De tantas horas a andar de lado para lado a somar às que esteve de pé, os pés ressentiram-se. Enquanto puxava os sapatos, a tentar 'arrancá-los' dos pés esboçou um sorriso, viera-lhe à memória a célebre frase de Gabriela, na telenovela de Jorge Amado: 'Sapato não, Seu Nacib!' 'Realmente!- diz ela alto já com o primeiro sapato fora do pé- É tão bom andar descalça!'

Já com os sapatos na mão, descalça, dirige-se para a entrada para arrumar os sapatos. Rafael já havia aberto a correspondência e por cima estava uma fotografia, antiga, de uma senhora também 'antiga'. Depois de observar a foto por alguns momentos:

-Rafael...-chamou, enquanto se dirigia para a cozinha com a foto na mão.-Que foto é esta?

-Essa foto vinha no meio daquela edição dos 'Bichos' que eu comprei a semana passada. Ontem à noite quando peguei no livro a foto estava lá no meio. Pousei-a aí para a entregar ao alfarrabista. Pode ser que ele conheça a origem do livro e assim a foto voltar para a família...

Com a foto na mão, voltou para o sofá. Com os pés em cima da mesa de centro, recostou-se e, com a foto em frente a si, começou a mirá-la, enquanto pensava, alto, mais uma vez:

-Engraçado! Estava capaz de adivinhar a história desta mulher. Nascida e criada na província. Casou com um rapaz da terra, com quem arrendaram umas terras, que passaram a ser o seu sustento. Seu e dos dez filhos que entretanto tiveram. O marido, entretanto morre de tuberculose e é ela quem os cria a todos, ao mesmo tempo que trata das terras.

Os filhos à medida que foram crescendo, na ânsia de uma vida melhor emigram a salto para França e ela acaba sozinha na aldeia de onde nunca saiu!

Dura esta mulher, dura a vida dela. Sim porque naquele tempo, só os duros sobreviviam!

-Mada, vem jantar...

-Estou a caminho...

Levantou-se em direcção à cozinha. Ao passar pela mesa da entrada pousou a foto em cima das cartas e sentou-se à mesa para jantar...


Para a Fábrica de Histórias

3 comentários:

Anónimo disse...

Bom cada vez, gosto de ler estas histórias, deixe-me lhe dizer que você Reflexos deveria escrever um livro, porque estas suas histórias valem ouro.

Obrigado por partilhar aqui no seui blog dos Desvios.

Têm um grande dom e escreve muito bem.

Muitos beijinhos e parabéns continue assim.

Reflexos disse...

Obrigada Ricaro. Você é muito generoso.
Mas sabe, eu sempre gostei muito de escrever e desde que tenho esta possibilidade, os blogues, passei a escrever mais e tenho-me sentido mais calma e menos stressada. Até o trabalho me corre melhor!
É o meu ópio ;-)

Beijinhos.
Reflexos

Anónimo disse...

Obrigado pelo elogio, eu também deixe-me que lhe diga, gosto de escrever, nos momentos alegres ou nos mais tristes.

A escrita para mim é como um desabafo, embora fale com os meus amigos gosto de escrever para o papel aquilo que sinto ou faço de bom ou mal.

Não há nada como escrever para aliviar alma.

Beijinhos e tudo de bom

Uma vez mais obrigado pelo elogio.