domingo, 21 de junho de 2009

A Camisola Verde

Um carregamento de roupa chegou ao campo de refugiados. Veio em boa hora, pouco falta para começarem os nevões e os termómetros passarem a marcar temperaturas negativas.
Os sacos são descarregados dos camiões e um grupo de mulheres, umas voluntárias da ONU e outras residentes no campo, começam a seleccioná-las por sexos, primeiro, por tipos e finalmente por tamanhos.

Depois de separadas são colocadas em prateleiras para a distribuição do dia seguinte.

Logo cedo pela manhã, forma-se uma fila junto ao pavilhão. A notícia de que agasalhos haviam chegado tinha corrido de boca em boca e as pessoas, receosas do frio e desprovidas de agasalhos, cedo se dirigiram para o centro.

Irina está entre o grupo de pessoas. Tem treze anos e uns longos cabelos negros que lhe emolduram o rosto moreno. Irina perdeu a pouca família que tinha, o Pai, a Mãe e o irmão, na guerra. Antes da guerra a família dela fazia parte do grupo de famílias da classe média. Eram felizes, 0 Pai era engenheiro aeronáutico na fábrica dos aviões e a mãe professora de inglês no colégio da terra. Irina e o irmão, mais novo três anos, eram duas crianças felizes, que viviam sem preocupações. Andavam no colégio onde a Mãe dava aulas, Irina tinha aulas de ballet e o irmão era uma promessa da natação, segundo os entendidos.
Na férias iam de férias para uma casa junto ao mar que os pais alugavam durante três semana. Eram dias maravilhosos, de felicidade a quatro.

Um dia o país entrou em guerra. O pai foi destacado para a força aérea e a escola fechou. A mãe passou, desde então, a ser voluntária no campo de refugiados que entretanto foi instalado na cidade. Vieram pessoas de todos os lados. Irina e o irmão, sem escola, passaram a ficar em casa, enquanto a mãe ia para o campo trabalhar. Cada dia que passava o número de refugiados aumentava e tornava-se cada vez mais difícil alimentar e tratar de tantas pessoas. Parte dos brinquedos, livros e roupas de Irina e do irmão foram levados para o campo. Nem ela nem o irmão se incomodaram. Eram brinquedos que os tinha feito muito felizes e que agora seriam para fazer outras crianças menos infelizes, pelo menos.

Um dia houve um surto de tifo no campo e a mãe, fragilizada devido ao excesso de trabalho, também ficou doente. Foi levada para o hospital, mas nem os médicos da AMI a salvaram. Do Pai não havia notícias. Tinha sido dado como desaparecido em combate.
Irina e o irmão, sozinhos, passaram a viver no campo, juntamente com os centenas de outros meninos nas mesmas condições, de quem a Mãe ajudou a cuidar...
Os dias deles eram todos iguais. Viviam numa camarata juntamente com os outros meninos com quem inventavam mil e uma brincadeiras para passar o tempo.

Os momentos de felicidade passaram a ser outros para aquelas crianças. Já não eram os momentos passados na casa da praia, já não eram os brinquedos que recebiam no Natal e no aniversário e muito menos ganhar as provas de natação ou ter sucesso nos recitais de ballet.

Os momentos de felicidade daquelas crianças eram, agora, acordarem de manhã, sem que o campo tivesse sido bombardeado. Era saberem que o leite tinha chegado ao acampamento, que iam ter pão e essa mesma felicidade ia ao rubro quando as refeições eram algo mais que sopa.
Um dia o irmão ficou doente e morreu. Tinha uma infecção renal muito grave e não havia antibiótico no campo para o tratar.
Irina ficou só no meio de muita gente....

Chegou a vez de Irina ser atendida. A senhora que estava a fazer a distribuição, perguntou-lhe de que precisava. Disse-lhe que precisava de uma calças e de uma camisola quentinha. A senhora tirou da prateleira uma camisola.
'Irina, minha querida, para o teu tamanho só tenho esta. Mas tem um buraco na manga. Irina olhou para a camisola e sentiu-se feliz como há muito não se sentia. Era uma linda camisola verde, em lã com uma grande gola.
'Gostas?', perguntou a senhora.
'Gosto sim. Faz-me lembrar uma camisola que a minha mãe me deu há três natais atrás... tinha sido feita por ela. Obrigada. É linda.'
A senhora sorriu, afagou-lhe o rosto com as mão e disse-lhe: ' Que Deus te abençoe minha querida.'
Irina depois de um 'Muito Obrigada' muito sentido saiu do pavilhão aos pulos agarrada à camisola como se o maior presente do mundo tivesse ganho... sentia que tinha recuperado um bocado do passado e com isso, os pais, os natais, a casa... a felicidade dos outros tempos.

Ficção para a Fábrica de Histórias

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