quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A história que eu queria ter publicado no dia 14...

Conheceram-se nos passeios da Foz do Douro numa tarde de sol, algures na década de 30.
Foi numa tarde de Domingo, durante a tarde de folga a que as criadas do consulado brasileiro tinham todos os quinze dias.
Rosinha, como Silvano passou a tratá-la desde o primeiro momento, rapariga já entrada nos trinta, a quem já todos tinham traçado o destino de 'ficar para tia', saltava de casa em casa como serviçal desde os seis anos de idade.
Filha de um funcionário dos caminhos de ferro e de uma professora, viu o seu destino, e dos irmãos, mudar drasticamente com a morte da mãe. 'Morreu com uma doença ruim', diziam as pessoas. O pai, a braços com quatro filhos ainda pequenos, logo se apressou a arranjar alguém que o ajudasse na educação das crianças, uma madrasta. De crianças felizes, depressa passaram a crianças tristes. A madrasta, que bem fez justiça à má fama do nome, logo tratou de tirar as meninas da escola e distribuí-las por casas de família de bem de Barcelos como serviçais.
Era assim a vida dela desde os seis anos de idade: saltar de casa em casa, aprender com as mais velhas e, sempre que surgia a oportunidade, lá mudava ela de casa em busca de melhor salário.
Assim, e depois de ter começado na família Sá Carneiro, chegou ao consulado brasileiro no Porto. Aqui já tinha o estatuto de cozinheira.
A sua vida resumia-se às panelas e às saídas de Domingo sim, Domingo não à tarde até aos passeios da Foz, onde se encontrava com as irmãs e outras serviçais com quem entretanto fizera amizade.
Os jardineiro e os motoristas disputavam com os soldados dos quartéis das redondezas a atenção das raparigas. Eram tarde de autênticos jogos de sedução, aquelas de Domingo.
Silvano, jardineiro, trasmontano, mais novo seis anos que Rosinha, chegado há pouco da terra, logo se encantou pela rapariga de Barcelinhos. Morena, dona de uns lindos olhos castanhos a contrastar com o cabelo negro de onde algumas brancas já denunciavam que a juventude começava a querer fugir.
Para Silvano foi amor à primeira vista. De tudo fez, este rapaz alto, magro de tez morena de quem sempre trabalhou no campo. Era a sua arte e a terra sabia disso. Toda a terra em que ele mexia, ganhava vida.
A vida dele também não fora fácil. Filho da Delfina, que vendia queijos pela serra, era filho de pai desconhecido e meio irmão de mais três filhos de Delfina, eles também filhos de pais desconhecidos. Dizia-se pela serra, que o pai de Silvano era o Zé dos queijos, uma espécie de Zé do Telhado que vivia por entre as aldeias do Marão.
Não era a primeira vez que Silvano estava no Porto. Antes tinha feito a tropa, onde aprendeu a ler e escrever, o suficiente para escrever as cartas que enviava para a mãe, que estava na terra e para a Marquinhas, a irmã mais velha que viva agora em Lisboa. Era cantora no teatro, dizia ela nas cartas. Também prometia chamar para Lisboa os irmãos assim que a vida lho proporcionasse.
O amor de Silvano por Rosinha sempre foi maior que o de Rosinha. Ou talvez não. Enquanto Silvano era um rapaz meigo e sociável, Rosinha já era uma rapariga mais distante que não dava confiança a qualquer um.
Como chegaram à fala, não se sabe, nem ele sequer, talvez. MAs chegara à fala, namoriscaram uns dias, umas tardes de Domingo, aliás e um dia zangaram-se.
Silvano tentou por várias vezes fazer as pazes. Rosinha nunca cedeu. Ele mandava recados pelas amigas dela e nada. Rosinha deixou até de frequentar o passei da Foz, só para não se cruzar com Silvano, que de tão apaixonado que estava, passava as horas livres a rondar o consulado. Rosinha sabia-o, sentia-o, mas não cedia. Silvano também não desistia.
Sem resistir às tarde passadas nos passeios da Foz, Rosinha retomou os seus passeios com as amigas. Logo no primeiro, e claro sem que tenha sido coincidencia, que a querer chamar-lhe isso, foi Silvano que a originou, encontraram-se. A paixão do primeiro dia mantinha-se. Rosinha não resistia, Silvano não sabia mais que fazer. Ela nem palavra lhe dirigia. Teria medo também, talvez, de não resistir.
Cruzaram-se. Não pararam. Olharam-se de soslaio, seguiram caminho. Silvano não a quis perder de vista, olhava para trás. Rosinha, altiva, olhava também, de vez enquando, quando as amigas não reparavam.
E aconteceu. Silvano não viu que se aproximava do poste de iluminação. Não parou. Rosinha olhava naquele momento para trás. Quando o viu caminha em direcção ao poste abriu a boca como que a querer gritar. O grito não saiu e o inevitável aconteceu. Silvano bateu com toda a força no poste. Da surpresa do embate e da violência de bater num poste de ferro, desmaiou. Rosinha não resistiu. Correu em direcção a ele, enquanto gritava: 'Silvano'.
Silvano acordou, já com a cabeça no colo de Rosinha que se ajoelhou junto a ele enquanto lhe afagava a cabeça e sussurrava:'Silvano, meu querido, acorda. Eu perdoo-te'.
Foi ao som destas palavras que Silvano acordou, atordoado com as palavras de Rosinha.

Sorriu quando viu que era verdade. Que a sua Rosinha estava ali. Que a sua Rosinha o tinha perdoado e que o acariciava.

Desde aí nunca mais se separaram, só num dia de 1981, em que Silvano partiu. Foram cinco anos de separação, o tempo suficiente para que Rosinha pudesse voltar a estar junto dele. Desde aí estão junto para a eternidade.