domingo, 10 de maio de 2009

Laura

Sentada no sofá aguardava que o telefone tocasse.

Marisa era a prova de que a felicidade não era plena, ou antes, que a felicidade eram momentos...

Tinha uma carreira de sucesso, um marido maravilhoso que amava e com quem se casara dez anos antes.

Há dez anos atrás enquanto dizia o 'sim' a Tomás no altar, nada a fazia pensar no calvário que iria ser a sua vida.

Marisa e Tomás conheciam-se desde o liceu, onde começaram a namorar. Do liceu seguiram para a universidade, onde frequentaram o mesmo curso. A separação, dolorosa, mas que serviu para confirmar o grande amor que os unia, foi quando Marisa foi para os estados Unidos estagiar numa multinacional ao abrigo de uma bolsa de estudo de uma instituição bancária.

Quando voltou, decidiram casar. E assim foi, compraram uma lida casa, com quatro quartos, já a contar com os quatro filhos que sempre falaram em ter...

Queriam o primeiro logo no primeiro ano de casados. Se queriam quatro filhos, a idade já não lhes dava muito espaço de manobra... Marisa já seria mãe com 33 anos.

Os dias. os meses foram passando e a angustia foi-se apoderando de Marisa. A gravidez não chegava. Ao fim de meio ano resolveu consultar o ginecologista, que tentou sossega-la dizendo-lhe que um ano a tentar engravidar não era motivo para alarme. Que tivesse calma, pois a ansiedade poderia ser um obstáculo à gravidez.

Quando fizeram um ano de casados decidiram ir passar uns dias fora. Estariam só os dois, longe do stress do dia-a-dia... podia ser que conseguissem.

Ilusão, mais uma. O período veio naquele mês, até mais cedo que o habitual, como que a evitar mais falsas ilusões.

Mais uma consulta ao ginecologista, que desta vez encarou o caso de outra forma. Agora também ele estava preocupado. Era preciso tomar providencias: Marisa e Tomás teriam de fazer exames para descobrir a causa infertilidade.

Foram meses de análise, ecografias, consultas e mais consultas. E nada, não havia maneira de encontrar a causa. 'Sem saber a causa, não posso começar a actuar', dizia o ginecologista. A seguir a isto lá vinha mais uma bateria de exames. Marisa sentia-se uma cobaia. E como se não fosse suficiente toda esta provação, ainda tinham as perguntas constantes dos familiares, amigos e conhecidos, que da típica pergunta 'E bebés, para quando?', rapidamente passaram a um tipo de pergunta bem mais penosa:?Então e os tratamentos como vão?'

Foram três anos muito dolorosos. Marisa e Tomás estavam exaustos. Depois de exames e mais exames, sem que qualquer causa fosse encontrada, partiram para os tratamentos de fertilidade. A conselho do médico que os acompanhava, partiram logo para o privado. A idade de Marisa e já não lhes dava muita margem de tempo e uma vez que tinham capacidade financeira, seria a melhor decisão, disse o médico, conhecedor da realidade do serviço publico nessa área.

Assim foi. Apesar da carta de recomendação e de um relatório minucioso feito pelo médico assistente, tiveram de começar tudo de novo: análises, ecografias e muito mais, muito mais doloroso.


A causa da infertilidade continuava desconhecida. O tempo já não era muito. Depois de novos exames, começaram os tratamentos de estimulação. Dolorosos, morosos e dispendiosos. Mas se resultassem, tudo valeria a pena.

O primeiro tratamento, o primeiro insucesso.

Começar de novo. Segundo tratamento. Insucesso. A relação do casal começou a ressentir-se. Marisa andava irritadiça, sensível. Tomás refugiara-se no trabalho. Fora a forma que ele arranjara de poupar a relação e esconder-se do problema.

Ao fim do terceiro tratamento Marisa engravidou. Foi grande a euforia. Apesar do 'positivo' teriam de 'ter cuidado e não festejar antes do tempo', tinham sido as palavras do médico. A euforia não os deixou escutar os conselhos do médico e o desgosto foi ainda maior. Ao fim de alguns dias Marisa foi parar ao hospital com uma grande hemorragia e perdeu o bebé.

Decidiram descansar por alguns tempos, chegando mesmo a ponderar partir para a adopção. Concluíram que que mesmo que tentassem a adopção, uma coisa não era a solução para a outra e então só ao fim de sete meses voltaram às consultas na cliníca de fertilidade.

Entretanto inscreveram-se para um processo de adopção. Não foram muito exigentes, queriam um filho e qualquer criança que viesse seria o filho deles, mesmo que mais tarde viesse o filho biológico.
Um dia de Julho, estava Marisa a fazer as malas para uma saída de fim de semana, quando recebe um telefonema da assistente da segurança social a informar que numa instituição no Algarve havia uma menina de três anos que correspondia aos desejos de Marisa e Tomás.
O rumo do fim-de-semana mudou. Foram de rota batida para o Alentejo onde os esperava a 'sua filha'.

Uma menina, franzina, com uns grandes olhos verdes e uns longos caracóis negros os esperavam. Apesar dos seus três anos nada dizia. A princípio Marisa e Tomás pensaram que era timidez, mas depressa foram informados pela directora da instituição que a menina não falava.

Logo naquele dia levaram a menina com eles. Chamava-se Laura e Laura ficou.
Foi um processo de aprendizagem em alta velocidade.

Novo tratamento estava marcado e não foi desmarcado. Marisa fez novo tratamento, desta vez usando uma técnica nova. A menina estava a adaptar-se muito bem. Estava a ser acompanhada por uma terapeuta da fala e tinha sido matriculada num colégio perto de casa.



A alegria parecia ter voltado aquela casa. Laura brincava. De vez em quando parava para beijar Marisa que, sentada no sofá com o telefone no colo a observava. Sempre que Laura a beijava, sentia uma emoção muito grande e cada vez um desejo maior de dar um irmãozinho a Laura.


Toca o telefone. Era da cliníca a avisar que os exames estão prontos. 'A partir de hoje pode passar por cá para levantar o relatório com o resultado', disse voz do outro lado.


A emoção foi grande, mas diferente... um filho já tinha...



Ficção para a Fábrica de Histórias

4 comentários:

Alberto Velez Grilo disse...

Há males que vêm por bem. A Laura foi um bem enorme para o casal.

Muito bem

Anónimo disse...

Gostei imenso desta história, muitos parabéns.

Afinal há sempre um remédio nem que seja adopção. É muito bonito ver uma criança a ter uma oportunidade.

Era bom que esta história chegasse a todas as pessoas.

Pois há muitas crianças em instituições à espera de ter uma familia para lhe dar amor, transmitir valores e tudo aquilo que é necessário dar a uma criança.

Um grande beijinho para si e continue, gosto muito das suas histórias.

Parabéns

Lucia disse...

Mas e tem mais? Fiquei na expectativa de ler mais! Rs

Bjinhos

Reflexos disse...

Pois
Obrigada ricardo pelas suas sempre simpáticas palavras
Lúcia, sim,talvez continue a história, quem sabe?