Penso quase todos os dias em ti!
És a prova de que tudo na vida muda num piscar de olhos e nem sempre para melhor!
Em menos de um ano casaste, engravidaste, adoeceste e... morreste.
Tu com aquela tua vida tão única, tão independente, tão segura... e esse teu nariz empinado!
Era só aparato, afinal eras insegura, carente e ingénua, muito ingénua!
Quando te conheci, pensei de ti tudo que todos pensavam... convencida, nariz empinado...
Tivemos algumas divergências, como quase todos tiveram. Não eras uma pessoas fácil... todos o dizem! A tua ausência não muda a verdade nem o passado, não é? Tu que também eras uma defensora da verdade e da justiça, a tua verdade, a tua justiça, tal como cada um de nós tem as suas... mas que eram valores que tu muito defendias e tinhas sempre presentes, eram!
Não foi justo o que te aconteceu... ainda me lembro daquele dia em que tu, depois de uma ausência devido a uma gripe forte, eu te perguntar se estavas melhor, com um brilhozinho nos olhos e desvalorizando a minha pergunta disseste:
Estou, obrigada, mas tu não sabes da novidade, estou grávida! A felicidade transbordava, mas alguma preocupação também... mal sabias tu, e nós, o que te esperava para tão breve!
A tua preocupação estava relacionada com o facto de ser uma gravidez não planeada para aquela altura ( tu e o planeamento!), não tiveste tempo de tomar certas providências... como deixar de fumar!
Disseste-me, então:
-Sabes, estou contente, mas preocupada, pois por causa da gripe estive a tomar antibióticos sem sabe que estava grávida. Eu não estava a contar engravida tão depressa, já tenho uma certa idade (frase típica tua...só tinhas 36 anos), também sou fumadora, mas pronto agora está, é esperar.
Uns dias mais tarde, passei por ti e, quando te perguntei se estava tudo bem, perguntaste-me tu -Ainda não sabes da novidade?
-Não, respondi.
-São gémeos, disseste tu,
-Que fixe!-foi a minha reacção
-Que fixe o caraças!...tudo a dobrar!...
Foi da boca para fora. A felicidade era ainda maior...
Foste uma grávida exemplar...deixaste de fumar...tudo que fizeste a partir daí foi a pensar nos teus bebés. Seguiste uma alimentação saudável, tornaste-te uma pessoa regrada, tu que não tinhas horários para ti, só para o trabalho!
Eles nasceram... no São João... altura em que tu também fazes anos.. .o João Pedro e a Ana Sofia...nunca os vi...
Em Agosto desse ano, uma colega disse-me que estavas no hospital pois tinham-te aparecido ´'uns papos' debaixo dos baços e os médicos desconfiavam do pior. Fiquei preocupada...nunca deixei de pensar em ti.
As coisa evoluíram de uma forma galopante e da pior maneira...o baço inchou, foste operada. Fui tendo sempre notícias tuas, mas à distância. Não porque me quisesse afastar, mas porque sabia que prezavas a tua privacidade e era assim que te sentias melhor.
Um dia, por acaso, encontramo-nos numa pastelaria perto de minha casa. Tu é que me viste e me chamaste. Lanchavas com o Pedro, o teu marido. Fiquei feliz, muito feliz por te ver e triste porque vi uma mulher transformada pela doença. Inchada, sem cabelo e percebi de mais perto que, como muitas vezes ouço a minha avó dizer, não somos ninguém... no que nos transformamos em tão pouco tempo!
Estive um bocadinho contigo.... a nossa conversa foi ... foi... tu falaste do que quiseste e eu respondi-te como pude... da forma mais leve possível e sincera...
-Nem te estava a conhece... também não contava encontra-te por aqui.-disse eu quando a vi.
-Pois estou toda inchada, é dos tratamento, disseste logo de rajada-também já não tenho cabelo, isto é uma peruca, mas é foleira...vou compra uma de cabelos naturais.
-E, então estás melhor?-perguntei.
- Estou, saí agora do hospital, estava com saudades destas torradas e, como não sei quando volto a sair de casa, pedi ao Pedro para vir aqui lanchar.
-Fizeste bem. E os gémeos?
-Estão com a minha irmã, ela vai levá-los lá a casa daqui a pouco.
-E tu, como te sentes?- perguntei.
-Bem, estou toda inchada, olha para a minha barriga, parece que ainda estou grávida.
-Mas tiveste os bebés só há dois meses e fizeste cesariana... é normal!
-Pois é, é normal... não é normal é o que me está a acontecer!
-Mas tu agora saíste do hospital e vais lá só fazer quimio...vais fazer transplante, vais precisar de dador de medula?-perguntei eu já a pensar como ia ser...
-Ainda não sei, mas tenho uma vantagem... a minha medula está saudável e assim posso fazer auto-transplante e não preciso de andar atrás de um dador.
-Isso é óptimo!
Falamos depois da empresa, aliás, fui respondendo às perguntas normais de alguém que está ausente há alguns meses e tem curiosidade sobre os acontecimentos e as pessoas... até que tu me arrumaste completamente com a afirmação:
-Eu já não volto mais para lá... se me safar desta, vou trabalhar na empresa que montei... se morre é não vou mesmo...
Foi assim, nu e crú... e com tanta certeza que, só pude, aliás só saiu...
-Não penses assim... daqui a uns meses vamos estar a fala outra vez...
É a última coisa que me lembro de te ter dito nesse dia... eu queria acreditar no que estava a dizer... voltei a ver-te... semanas mais tarde no mesmo sitio, por acaso, também...
Era Fevereiro, um daqueles meses de Fevereiro de muito frio e de muitas gripes... nessa altura estavas mesmo irreconhecível! Tinhas 'lutado' até ao último minuto com os teu marcadores para que eles te permitissem sair do hospital. Já tinhas a tua peruca de cabelos naturais, facto que tu fizeste questão de evidenciar... também já tinhas feito outra operação...para tirar parte do estômago, que tinha apodrecido devido a lesões provocadas pelo inchaço baço.
-Sabes o que estive a fazer nestes dias-perguntaste-me
-Estive a escolher os materiais para o apartamento. Se não for para mim é para a próxima...fica trabalho adiantado Assim, friamente... só por fora, não era?
Uma semana depois de este encontro soube que tinhas ido de urgência para o hospital e, que tinhas perdido a guerra com a doença!
Tinha maus pressentimentos sobre a tua doença, mas sempre acreditei que ias ganhar esta guerra! Quando me deram a notícia, o choque foi o mesmo como se me estivessem a dar a notícia de alguém que tinha tido um acidente e morrido!
Morreste no Carnaval, mas nós levamos a mal! Com 36 anos e tanto para fazer e ver na vida, só pode!
Mas não há volta a dar... a única coisa irreversível da vida...a morte!
Depois desse dia e, antes de voltares para o hospital com mais uma crise, a penúltima, quiseste baptizar os meninos e segundo dizem, disseste:
-Ao menos ao baptizado vou!
Hoje está a decorrer uma campanha de angariação de fundos para ajuda de organizações de investigação e tratamento de doentes com cancro. Mais que nos outros dias me lembro de ti, Amiga. Eles fizeram muito por ti, mas não foi suficiente...o adversário era muito forte!
Até já Amiga...Um dia havemos de nos encontrar... onde, como e quando não sei, mas que é certo, é!
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