quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Os Retornados

Este post foi escrito em Maio deste ano num outro blogue, que está reservado a um grupo restrito.
Lembrei-me de escrever este texto, porque o assunto Retornados foi relembrado com a edição do livro do Júlio Magalhães.
Um amigo que tem acesso a esse outro
blogue, sugeriu que o publicasse aqui, e aqui está.
Esta é a visão que uma criança de 9 anos tinha de todo esse processo migratório... evidentemente sugestionada pelos comentários dos adultos da época...

D
epois do 25 de Abril e do primeiro de Maio de 74, há outro acontecimento da vida Portuguesa que me marcou: os Retornados.
Poderemos mesmo chamar-lhes Retornados? Retornados de onde, se alguns nasceram lá? Refugiados? Mas refugiados porquê, se são portugueses?
É uma situação inédita, com pessoas a quem alguém chamou de 'Retornados', tendo-se assim generalizado a palavra!
Lembro-me de um ano, não se se foi logo em 74 ou já em 75; provavelmente em 75, pois foi o ano da descolonização e, agora começo a lembrar-me que foi na passagem para a 4ª classe...
No verão desse ano começaram a aparecer famílias vindas de África, famílias essas que vinham 'fugidas' da guerra e da instabilidade, algumas com a roupa do corpo!
Falarei mais tarde da sua postura e da nossa perante esse processo 'migratório'.
Nesse ano não queria ir para a escola...ia ter muitos meninos novos que tinham vindo de África e durante todo o verão não tinha parado de ouvir falar dos retornados que chegavam aos milhares e ocupavam tudo! Empregos, casa... até começaram a faltar os bens de primeira necessidade como o arroz, o açúcar e o azeite!
Para a mentalidade da época, eram pessoas muito estranhas, apesar de virem das colónias (ex), estavam um bom par de... décadas, à nossa frente! Em 75 (mais que agora), pobre significava roto, mal tratado, pedinte, enfim tudo que eles não eram! Eram sim pessoas com outra mentalidade, bem vestidas, cuidadas, o que provocava confusão na cabeças dos de cá!
Lembro-me de ver as senhoras, todas bem vestidas e penteadas... algumas a fumar o seu cigarro... escandaloso!
Na minha família nunca houve grandes preconceitos, até porque o meu pai chegou a ser alvo de conversas por andar na rua de calções e havaianas e a minha mãe de calças compridas... vejam lá, calças compridas, como se não bastassem as mini saias... uma mulher casada mãe de uma filha!

Mas eu não queria ir para a escola... estranho ainda hoje não consigo explicar porquê! Medo de perder a minha querida professora? Afinal via pessoas a perder, perder não, deixar de arranjar emprego, em favor dos retornados... eu também podia perder a minha querida professora Nilza!

Nada disso aconteceu, eu fui para a escola e, para meu alívio, foram contratadas professoras e formadas turmas para esses meninos... de quem eu fui grande amiga mais tarde... mas estranho...não havia pretos! Como eu gostava de ter um amiguinho preto igual aos que via nas fotos que o meu pai tinha de África!

Alguns eram simpáticos, mas na sua generalidade eram... estranhos, no mínimo! Vinham sem nada, toda a gente lhes dava tudo, o que tinham e o que não tinham.

Hoje tenho amigos que, em 1974 estiveram nessa situação. São amigos grandes amigos.
Outros tive, que os perdi, uns porque emigraram e perdi-lhes o rasto e outros porque emigraram e não sei quando os irei ver!

Um dia ainda hei-de falar sobre esses meu AMIGOS...

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