sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Linguado...

Hoje o dia foi daqueles em que as emoções não ficam em casa.
Fui ao Porto e isso é motivo mais que suficiente para todo um turbilhão de memórias me invadirem.
E como se não bastasse ir ao meu Porto, fui a Matosinhos, fui à zona da lota, fui lá almoçar, fui almoçar peixe, fui almoçar linguado!
Para além de ser o meu peixe predilecto, traz-me sempre muitas e boas recoordações de muitas fases da minha vida!
Da infância, de quando me levantava cedo, muito cedo, às seis, -cinco às vezes-  da manhã, e ia com os meus pais à lota de Matosinhos comprar peixe. Íamos aos bocados, que por sinal ficava a 50 metros do restaurante onde hoje almocei. Lá as leiloeiras apresentavam cabazes de peixe, vindo do mar, à socapa, e ... era para quem desse mais. Quase sempre eram rematados pelas peixeiras, as mais experientes, as que sabiam quando parar ou quando tirar os outros do leilão. Quase nunca a minha mãe conseguia, mas sempre traziamos peixe para casa.
As peixeiras são pessoas fantásticas, com um coração de ouro. Desses tempos guardo a imagem da Ti Ernestina, uma peixeira já velhota - aos meus olhos de cinco, seis anos - com um cabelo lindo matizado entre o louro e o grisalho muto bem tratado. Usava penteado em banana. Os brincos seguravam uns brinco de ouro, umas argolas, que pelo rasgo que já tinha no lugar que não devia passar de um furo, teriam um peso consideravel!

Bem, de entre todas, a Ti Ernestina era a mais simpática. Consegui rematar o que queria... e o que eu queria: linguados. Daqueles ainda a mexer! Rematava-os pelo melhor preço e lá vinha ela toda feliz ter comigo: 'Pronto, Boneca, aqui tens os teus linguadinhos.'

Anos mais tarde, já era a vez da minha Avó me mimar com este fantástico peixe. Durante um periodo que viveu connosco, e em que a minha trabalhava, era ela quem me fazia o almoço... e lembro-me bem das quintas-feiras, em que ela vinha a correr para casa para fazer o almoço a tempo de eu ir para as aulas!
Que bem me sabia aquele peixinho grelhado...

Com o passar do tempo, esse peixe passou a ser mais raro e mais caro. O que se encontrava era caro e a qualidade deixava muito a desejar. Poucas vezes voltei a comer. e em nenhuma me soube tão bem quanto daquela época.

Ontem foi o quebrar do jejum. O linguado soube-me bem, como nos meus cinco, seis anos. Como na minha adolescência.
Senti o cheiro da lota, ouvi os pregões das peixeiras, os palavrões, as gargalhadas, o fechar dos baús, o tilintar das moedas dentros dos bolsos dos aventais.
Ouvi a minha avó a meter a chave na porta, a toda atarefada por o avental para preparar o almoço. Ouvi-a chamar para almoçar. Ouvi-a dizer: 'Não comes nada!' (Para as avós comemos sempre pouco...).

 E que mais? Estava no meu Porto, Matosinhos mais propriamente dito, estava em casa. Estava junto do mar, estava a comer o meu peixe preferido ... e com isso com todas as emoções presentes.