sábado, 16 de agosto de 2008

O Mercedes

O meu marido contou-me há minutos que leu uma notícia sobre um americano, claro está, de 70 anos; que foi comprar um carro a um stand, e pagou com moedas que juntara toda a vida em latas de café!
Ao ouvir esta historia, lembrei-me de uma história que se passou há muitos anos atrás com uma família muito próxima da minha:

Um casal com dois filhos adolescentes e a 'nadar' em dinheiro!
Um casal que nasceu pobre, daqueles que ainda contam a história de que uma sardinha era dividida por 3!
Depois de casados ele foi trabalhar para a Sacor, agora BP como motorista e ela andava a vender peixe pelas ruas do Porto, mais propriamente na zona da Boavista.
Um dia teve a oportunidade de comprar o trespasse de um talho no mercado do Bom Sucesso, oportunidade que agarrou e em boa hora, pois teve muito sucesso.
O marido, esse, manteve sempre o emprego na Sacor e ela foi levando o negócio com a ajuda dos filhos e de alguns empregados que entretanto foi contratando.
Continuaram a ser as pessoas simples que sempre foram, ela com um coração do tamanho do mundo, nunca negando ajuda a quem lha pedia e... não eram poucas as pessoas que o faziam... afinal vivia num sítio modesto de onde nunca saiu... até hoje!

Um dia a família foi convidada para ir a um casamento de uma família ilustre da cidade. Os preparativos para a ida ao casamento começaram: costureira para fazer os vestidos, alfaiate para os fatos dos homens, compra de sapatos, malas para as senhoras e... um belo dia a matriarca da família, a quem eu vou chamar de Rosa, lembrou-se que não tinha carro para ir ao casamento!

Este episódio passou-se nas vésperas da revolução, talvez finais de 73...

Como o marido estava numa viagem de longo curso pela Sacor, Rosa decidiu, juntamente com o filho fazer uma surpresa ao marido e ir comprara um carro!
Até à data não tinham decidido comprar nenhum, mas Rosa sabia que o marido gostava particularmente de Mercedes... o filho, esse, adolescente que acabara de tirar a carta, inclinava-se mais para o BMW. Então disse:
-João, logo no final do dia, saímos mais cedo e vamos à Mercedes comprar um carro!
-Está bem, mãezinha, mas assim?! O paizinho nem está cá!
-Mas estou cá eu e... tu!
Meu dito, meu feito. No final dia meteram-se na velha Morris e tal como saíram do talhos lá foram até ao stand da Mercedes.

Chegados lá, o vendedor, olhou-os de cima abaixo e com a etiqueta própria de um vendedor:

-Muito boa tarde, em posso ser útil?
-Queremos um Mercedes...
-Desculpe, mas não temos.
-Mas então e aquele que está ali no stand?
-Aquele, está vendido e é um topo de gama!

Desiludidos, saíram porta fora, quase que empurrados pelo vendedor.
Meteram-se novamente dentro da Morris e depois de Rosa desabafar à maneira dela em 'bom português', João propôs-lhe que fossem à BMW.
Assim foi.
A cena não foi muito diferente. Entraram, o vendedor dirigiu-se a eles, perguntou-lhe o que desejavam e eles disseram que queriam um BMW.
O vendedor respondeu-lhe:
-De momento não temos nenhum a não ser o que está exposto no stand, mas... é um série 5 e é muito caro...
Rosa que já estava com os nervos à flor da pele, pergunta ao vendedor:
-Muito caro, mas quanto?
O vendedor disse-lhe o preço, que era na ordem das centenas de contos ao que Rosa perguntou:
-Quer que lhe deixe um sinal ou o carro todo pago?
E virando-se para o filho pergunta-lhe:
- João, gostas do carro? Era desse que falavas?
- Sim mãezinha, mas...
-Nem mas nem meio mas, se é esse, é esse que compramos!
Vira-se novamente para o vendedor, abre a mala que trazia debaixo do braço e começa a esticar notas em cima do capôt do carro perante a cara de admiração do vendedor...

Rosa comprou o carro, fez a surpresa ao marido, foi ao casamento num carros novo. Aliás, durante uns anos o carro só foi usado para isso mesmo: casamento baptizados e funerais!
Quanto ao vendedor, esse, depois de ver a 'nota batida', só não se deitou no chão para Rosa passar por cima porque, enfim!
O carro foi-lhe entregue em casa e sempre que eram necessárias revisões e afins, o concessionário ia a casa de Rosa levantar o carro e entregá-lo!

Durante a minha infância ouvi contar esta história umas poucas de vezes e sempre que olho para a D.Rosa, hoje uma senhora de quase 80 anos, olho-a com admiração porque nem este episódio a fez deixar de ser quem era!

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