'Todos temos dentro de nós uma criança.'
Lugar comum ouvir esta frase.
Quando casou já não era jovem, aos olhos dos mais velhos, para quem a idade casadoira de qualquer rapariga expira com entrada nos 30.
Tinha 31 anos quando casou, cedo olhando agora para trás, aos olhos da geração actual. São cada vez mais tarde os casamentos e cada vez mais tarde nascem os filhos.
Nunca fez parte dos planos de vida dela casar. Decidiu um dia que ia casar, marcou a data noutro e casou passados três meses. Foi por impulso.
Queria agora ter um filho. No dia do casamento achava que no ano seguinte já estaria com um filho nos braços. Foi o seu primeiro grande falhanço de planos. As coisas não correram de feição. Os anos passaram, os filhos tardaram, o tempo passou. O fim do prazo aproximava-se, a família e os amigos cobravam e ela sofria em silêncio. Não conseguia falar do assunto. Por mais que tentasse não conseguia aceitar, compreender que lhe tivesse acontecido.
Os médicos do serviço publico recusaram-se ajudá-la, mas poderia tentar o privado, que por coincidência era propriedade do mesmo médico que taxativamente lhe disse:
'Escusa de tentar aqui. Está a um ano de atingir a idade limite para tratamentos aqui. Enquanto é chamada e não é, passou o prazo. Agora o que pode fazer é tentar o privado. eu posso recomendar uma.'
Saiu revoltada do hospital. Para mais tinha visto dias antes uma notícia de que um casal de desempregados tinham tido quatro filhos através de um tratamento. Agora andavam a fazer um peditório para roupa e alimentos para as crianças. O casal tinha tido acesso aos tratamentos porque estava na faixa de idades aceitáveis para o tratamento, tinham 25, ela e 27 ele. Se as crianças iam passar fome não interessava...
A única coisa que se lembra é que o seu pensamento era constantemente preenchido com a pergunta 'Porquê?' . Parecia que via esta pergunta escrita por todo o lado.
Pior ficou quando a ginecologista lhe disse: 'Pronto, se queres tens de ir para privado, paciência'
E é assim? Eu que pago impostos, que tenho uma vida estável, só porque não estou dentro dos limites de idade que alguém se lembrou de definir, tenho de, para além de pagar os tratamento de quem não contribui par eles ainda pagar os meus a preço de ouro?´
Era muita a revolta. Os planos não eram aqueles.
Saiu do consultório zangada com a médica, muito zangada mesmo, porque no fim daquilo tudo a médica, num tom de voz a medo disse: 'Podes sempre adoptar...'
Antes de sair teve a última palavra: 'Quem os filhos das mulheres a quem o estado faz tratamentos e depois os abandonam porque não tem como as sustentar?!'
Nada mais fez. Cobardia? Não sabe responder... não quis pensar, recusou-se a pensar... mas sempre assolada pelo medo do arrependimento e de atingir o ponto de não retorno!
Vai viver sempre com esta sombra no seu coração. Com o turbilhão de sensações boas e más sempre que recebe notícias de chegada de crianças ao seu circuito familiar. Fica feliz, por eles... mas o nó aperta no coração, ai se aperta.
Ficção para a Fábrica de Histórias
1 comentário:
Olá! Bonita e sofrida história. Agora penso melhor...bonita não realista e sofrida. E afinal porquê? Um grande beijinho para ti.
Enviar um comentário