Conheceram-se em Viseu. Ela estudava na escola do Magistério, ele estava de visita à irmã, que era colega de Zeca.
Como mandava o protocolo da época não se falaram da primeira vez que se viram. Só se viram, mesmo. Ela acompanhava Zulmira, a colega de quarto, que se ia encontrar na pastelaria da cidade com o irmão Filipe que estava de vista à metrópole.
Sim, Filipe não vivia em Portugal, vivia num país, de África, mesmo em cima da linha do equador.
Filipe há muito trocara uma promissora carreira académica por uma vida nas profundezas da selva, a conduzir um camião carregado de mantimentos para vender nas zonas mais recôndidas do país.
Ainda andou pelo Porto. Estudou na escola comercial. O passo seguinte seria a faculdade de economia, tal era a sua aptência para os números. MAs não, foi para África. teve uma vida dura, mas era do que gostava. Da aventura. Dos animais, das viagens pela selva... do imprevisto, da adrenalina.
Quando vinha a Portugal era para usufruir de longos períodos de férias, as acumuladas de dois ou três anos.
Visitava a família, os amigos, passeava e usufruía dos rendimentos. Sim, ele também gostava da contrapartida de luxos que a vida em África lhe dava quando ele vinha de férias.
Naquele dia, decidira ir visitar a irmã Zulmira a Viseu. Era a caçula da família, única rapariga de quatro irmãos. Fazia-o sempre que vinha a Portugal. Zulmira vinha com uma amiga, a Maria José.
As palavras entre ele naquele dia não passaram da conversa de protocolo, o da época, década de 50: 'Boa tarde', 'Muito prazer' e na hora da despedida um 'Foi um prazer'. E sempre que os seus olhares se cruzavam, tratavam de o desviar. o incómodo era mutuo. Não ficaram indiferentes um ao outro...
Zeca, como era conhecida entre a família, era a mais nova das três filhas de um capitão da marinha mercante de Ílhavo.
Depois daquele encontro, o seu coração não mais bateu da mesma maneira. Não lhe saia da memória o irmão de Zuzu.
O coração de Filipe também mudou de comportamento. Levou-o a, antes do seu regresso a África visitar a irmã mais umas duas ou três vezes.
De todas as vezes que se encontrou com a irmã, a Zeca, a amiga estava com ela. Ao fim do segundo encontro já tinham conseguido falar do tempo e se coisas do dia-a-dia das raparigas da residência.
Na véspera de regressar a África, Filipe foi visitar a irmã, ou antes a Maria José. O gelo já se havia quebrado e Filipe do encontro anterior ousara pagar o lanche de Zeca. Sim, naquela época pagar o lanche a uma rapariga era uma ousadia, que as raparigas, mesmo gostando, teriam de se sentir ofendidas. Zeca e Filipe fizeram o seu papel, sob o testemunho de Zuzu que se ria em silêncio de todo aquele jogo de sedução.
Trocaram moradas, Filipe regressou para África e do outro continente, por carta, pediu Zeca em namoro, mais tarde em casamento e foi ainda por carta trocadas entre os dois continentes que combinaram os detalhes do casamento, que seria por procuração, e da ida de Zeca para África.
Casaram, aliás Zeca, casou na Igreja Matriz de Ílhavo com um tio, a quem foi passada a procuração. Foi uma cerimónia bonita, digna da filha do Sr Capitão, homem de posses que dera às filhas sempre do bom e do melhor, onde só faltou mesmo o noivo.
Dias depois do casamento Zeca partiu para África. Filipe tinha tudo preparado até ao pormenor. Zeca seria tratada como uma princesa.
Porém a vida em África não foi um conto de fadas. Calor e solidão eram duas grandes condicionantes para que Zeca começasse a sentir saudades da família, da escola, dos pais, de...tudo. A Família mais próxima morava dez quilómetros deles. Filipe, nas épocas em que ia visitar clientes mais longínquos, passava as noites fora.
Era triste, a solidão sentia-se cada vez mais. Aguentou-se, até um dia, o dia em que Zeca engravidou. Não podia estar sozinha naquele 'fim de mundo'!
O negócio de Filipe começou a corre mal. Zangou-se com o patrão. Tudo a favor do regresso a Portugal. Iam regressar. Que fazer? De que viver? Zeca podia dar aulas, mas estava grávida. Filipe não tinha profissão... e agora?
Mesmo assim regressaram, a reconciliação com o patrão tornou-se impossível. Zeca não queria mais viver ali. Não era sitio para criar os filhos... os filhos que iriam tardar em chegar.
Dias antes de regressarem, Zeca abortou. A ansiedade e o clima foram dados como desculpa. Em Portugal, teria certamente mais serenidade e brevemente engravidaria, era a convicção deles.
Quando chegaram a Portugal, a primeira tarefa, depois de se instalarem na casa do Capitão, trataram de arranjar emprego. Zeca foi colocada em Avanca, uma aldeia, na altura a norte de Aveiro, terra de Egas Moniz, o Nobel da medicina.
Uma nova vida começou Zeca e Filipe. Os filhos faziam parte dos seus sonhos, mas esse sonho tardava em chegar.
Enquanto isso Zeca dedicava-se de corpo e alma ao ensino, enquanto Filipe começava a ficar impaciente com a falta de emprego.
O emprego surgiu. A fábrica de chocolates estava a precisar de um guarda-livro. Filipe concorreu e ficou com o emprego.
A vida começava a melhorar, a estabilidade começava a ser uma realidade.
Mas a história não acaba aqui, pelo contrário, só começa... muito mais será dito num outro dia... a conversa já vai longa...
( história ficcionada por mim)
1 comentário:
Adorei e imaginei um possível fim. Muito bem escrita, parabéns! Um beijo, Sandra
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