terça-feira, 14 de abril de 2009

O Tricôt

Lembrei-me dela pela primeira vez depois de um longo período em que esteve hibernada na minha memória. Foi no Domingo passado, que me lembrei da Elisabete, Beta para os amigos. Lembrei-me quando vi numa série de TV que retrata a nossa vida, a dos Portugueses e de Portugal, durante o Estado Novo. E lembrei-me porque nessa série havia uma máquina de tricotar igual à dela, atrás da qual eu a vi sentada tantas vezes. Dela tirou o sustento da família durante anos. Nela investiu a sua grande criatividade e ela saíram lindas peças que realizaram os desejos de muitas pessoas.
Há uns tempos atrás a minha Mãe disse-me que ela tinha morrido. Perguntei-lhe de quê. Não me soube dizer de quê, nem porquê. Eu não acreditei. A notícia era vaga e pareceu pouco consistente. Também não voltei a perguntar. Não quis saber, não fosse a minha Mãe ter agora algo de mais consistente para me dizer e eu ter de enfrentar a realidade. Não vale a pena. A ser verdade, a sua morte, nada fiz na hora e agora de nada adiantaria eu saber ou não.

Lembrei-me dela numa fase da vida dela menos boa, em que a mãe estava presa a uma cama com uma doença terminal. foi-se abaixo, muito abaixo. O seu peso foi a imagem disso. Mais tarde confessou que nos dias a seguir à morte da mãe pesava 42 kg. 42 kg distribuídos por 1,80 de mulher. Pouco, muito pouco. Os filhos foram a sua tábua de salvação. Depositou todas as suas energias neles.
Ainda não estava refeita do abalo descobriu o pior que uma mulher pode descobrir. Que era traída. Que o marido tinha uma amante. De quem foi a culpa? Dela, que tirou tempo ao seu casamento para dedicar à mãe? Não, ela não aceitava tal coisa. Mãe é mãe e para uma mãe não se tira tempo de lado nenhum nem de ninguém. Mãe tem o seu próprio tempo.
Foi-se abaixo novamente. Toda uma vida de trabalho, uma casa feita com o esforço de kilometros de lãs e dias a fio atrás da máquina de tricotar.
Separou-se. O marido saiu de casa, ou ela convidou-o a sair. Falando a voz do povo, ela -lo fora de casa!
Entretanto mudei de cidade. Deixei de a ver. Notícias dela passei a tê-las pela minha mãe, que entretanto a perdeu de vista.
A última foi a da sua morte. Notícia pouco consistente esta. Eu quero que assim continue. Não quero saber mais. Quero acreditar que foi alguém que disse sem saber de quem falava. Quer acreditar que um dia vou a S. Mamede e vou encontrar a Beta na pastelaria a tomar o seu cafezinho. Quem sabe com os netos à sua volta. E eu vou dar-lhe um abraço muito apertado e vou perguntar-lhe: 'São teus netos?' Filhos do Romeu ou da Romy? Da Romy? Ainda me lembro de ti grávida dela... como o tempo passa...
Não é isto que se diz sempre?

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