A vida em África foi dura, também. Também, porque teve coisas boas, muitas até! Fez coisas que jamais faria não fosse ser recrutado para aquela maldita guerra!
Teve a sorte de, logo à chegada, encontrar um oficial conhecida do quartel de Arca d'Água. Andava à procura de um motorista. Perfeito. O Victor tinha carta de condução. Foi requisitado para motorista da Sra D. Amélia e da filha, a menina Graça.
Teve uma vida santa, nos primeiros tempos. Levava a menina ao liceu, o que era pior parte da sua rotina. Rapariga embirrante esta, que nos primeiros dias decidiu que o só sairia do carro depois de o motorista lhe abrir a porta. O motorista achou que ela tinha mãos para abrir a porta, o que até o pai dela fazia quando era por ele transportado, e por isso decidiu que ou ela abria a porta ou não saia.
Voltou para casa. Sorte a dela ainda assim, porque a tarefa seguinte era levar a Sra D. Amélia ao cabeleireiro, senão arriscava-se a ir parar ao quartel!Perante surpresa de ver a filha chegar novamente no carro, a Sra D. Amélia perguntou o que se passava. A explicação foi igual dos dois lados: o Victor não abriu a porta. Só que Gracinha dizia que o Victor devia ter aberto. Victor dizia que só fazia ao Sr Comandante e à esposa e a esta por respeito a ser uma senhora. A Gracinha, uma garota é que não.
A razão foi dada a Victor e Gracinha teve de voltar a pé para a escola!
A Sra D. Amélia, essa tratava-o bem, muito bem. Presenteava-o com maços de tabaco, umas garrafas de cerveja e muitas vezes era convidado para jantar lá em casa.
Muitas vezes ficava com o carro do comandante. Era dia, ou antes, noite de festa. Quem o quisesse ver a ele e aos amigos era no drive in. Os porteiros faziam-lhe continência e tinha sempre direito a um lugar preveligiado.
Um dia teve de ir para o 'mato'. Tinha de ir com a companhia. Foi duro. Era época de Natal. Ia ser duro. Todos os dias tinha de ir com o jipe buscar o correio a 150 km do acampamento. Muitas vezes voltava sem ele, confessou. Tinha medo de avançar, de chegar aos sacos que eram lançados do avião.
A noite de Natal prometia ser de grande carga emocional. Para a ceia nada de especial, o costume, a não ser que… havia um cabrito que estava a ser criado para quando um graduado visitasse o acampamento. Já estava gordinho e … podia fugir! E não é que o raio do cabrito fugiu dois dias antes do Natal?
E não é que, coincidência das coincidências a ceia de Natal foi cabrito? Foi cabrito regado com vinho, muito vinho. Tanto que na tentativa de acabar com ele, foram vencidos pelo cansaço e adormeceram todos no meio do acampamento e só acordaram a meio do dia de Natal!
Foi dos piores dias de África. E dos de maior loucura… a fuga do cabrito se fosse descoberta podia valer ver o sol aos quadradinhos durante uns tempos.
A vida deles era vivida para o imediato. Muitas vezes esse imediato levava a que deixasse de haver amanhã. Um dia no quartel, na passagem das camaratas para o banheiro estava um camarada a consertar a motorizada que tinha comprado. Concerteza que seria vendida dias ou semanas mais tarde. Bastava faltar o dinheiro.
Um camarada atravessava o pátio e, em tom de brincadeira disse: 'Não percebes nada disso…'. O outro mostrou-se ofendido e : 'Ora volta lá a dizer isso!'.
Pegaram-se em palavras, até que um deles disse, ainda em tom de brincadeira, dizem eles:' Tu não te metas comigo. Olha que eu tenho uma navalha!' A navalha era um canivete, daqueles que os homens na época tinham como costume trazer junto da chaves. 'Uma lâmina de 5cm, se tanto!', disse o Victor que assistiu a tudo. O da 'navalha' abre-a e diz: 'Espeto-ta e furo-te a barriga'. O outro avança e diz:'Tu o quê?'
Foram s suas últimas palavras. Avançou mais depressa que o tempo necessário para o outro camarada tirar o canivete da direcção do coração.
Logo perdeu a consciência e se começou a esvair em sangue. Os camaradas pegaram nele, meteram-no jipe e levaram-no para o hospital. Nada pode ser feito. Chegou lá morto!
O outro camarada foi preso e os que saíram do quartel sem autorização foram julgados e com muita sorte não foram castigados.Era assim a vida em África. Emoções ao momento…
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