quinta-feira, 25 de março de 2010

Quinta, lugares cruzados I (Porto)


Para escrever sobre o Porto só preciso de muito papel e muita tinta, porque pensar, é nele que penso todos os dias.

Penso na casa dos meus avós onde passei momento inesquecivéis. Penso nas noites de Verão no adro da capela de São Pedro, onde passei muitas noites sentada nos degraus junto do meu
Avô a observar as estrelas.
'O Porto é velho, os portuenses (não confundir com portistas... é diferente) dizem muitos palavrões e trocam os os bês pelo vês'.- dizem os outros, os do resto do país, mas eles não sabem nada, nda sobre o meu Porto.

Pouco me interessa, eu amo-o assim mesmo
,amo a cidade que vê nascer o meu 'ramo' Reis há muitas gerações, que acolheu há duas gerações e de braços abertos Tavares vindos do Alentejo, os Silva de Chaves, Alves e Castros do Minho e até mesmo Garcês de além fronteiras. As gerações dos meus avós, que de lá, do
Porto, partiram...
Viu-me nascer, viu-me crescer e viu-me casar, para depois o deixar.
O Porto tem (teve) um Palácio de Cristal, que agora se chama de Pavilhão Rosa Mota e cujo nome de 'Palácio de Cristal' vem do tempo em que o belo edifício desenhado por Nasoni vivia no meio dos seus jardins, até ao dia em que, na euforia do Mundial de Hóquei Patins, alguém resolveu construir o actual edifício, a que todos puseram a alcunha de 'tigela'. Foi numa capela, perdida entre os seus jardins que me casei. Sinto-me uma preveligiada, o rio, o Douro foi convidado de honra.

O Porto tem duas pontes lindas, da idade do ferro: a D.Luiz e a D. Maria. A D. Luiz, edificada ao lado onde um dia havia uma única ponte, a das barcas, que ficou para a história aquando das invasões francesas. De há uns anos a esta parte, a circulação no tabuleiro superior passou a ser de metropolitano, de onde se pode apreciar uma paisagem única sobre o rio, o Douro.
A seu lado, já fora de funções, a outra, a D. Maria, ferroviária, velhinha sobre a qual já há muito, a sua travessia era temida por muitos.
Nascida já na década de cinquenta, há a Ponte da Arrábida, inaugurada com pompa e circunstância pelo Almirante (?) Américo Tomás.

Inaugurada já nos finais da década de 80, com direito a directo da sua inauguração, pela RTP Norte, temos a ponte S. João, projectada pelo emblemático Edgar Cardoso, homem do norte, este também.
A ponte do Freixo, a maior, já fruto da engenharia dos finais do século XX, é a maior, a mais movimentada e do que o
Porto estava a precisar para que todos os que nos visitam cá possam chegar sem constrangimentos nem engarrafamentos.

E o rio, o Douro, claro? E a Foz? E o Passeio Alegre? Ai, e a Ribeira? A Ribeira com vida própria, com a sua gente, com vida a qualquer hora do dia e da noite em torno da vida das gentes de lá.
A casa das iscas, a casa das azeitonas, o Julião dos Frangos... como eram bons aqueles franguinhos que o avô lá comprava ao Sábado para todos lancharmos, ora debaixo da ramada no Verão, ora no quentinho do braseiro no Inverno.
E desta longa conversa, fiquei-me (só) pela beira rio.

A Avenida dos Aliados, onde grandes eventos foram escritos na história do nosso país. E falando da história recente, contemporânea: a visita de Humberto Delgado ao Porto, que foi recebido por um mar de gente nunca antes visto; a comemoração do primeiro 1º de Maio, a que eu assisti e nunca mais hei-de esquecer...

E o São João, o São João no Porto é único, inesquecivel cada um. É nas Fontaínhas, é na Boavista, é o fogo na Avenida e na Ribeira, mais uma vez... a Ribeira.

E a Queima das fitas? Semana de todas as loucuras. E tudo começa no alto da Cidade, na Sé, que uma vez por ano ganha vida própria. Zona tida como das mais perigosas da Cidade, é na noite da Serenata em que só o medo de por lá andar fica em casa. Todas as outras emoções saem à rua. E é esta mais uma noite do ano em que a cidade ganha vida própria, única. Os restaurantes, cafés e ruas enchem-se de capas negras, que na hora da Serenata é vê-las subir a Avenida da Ponte em direcção ao terreiro da Sé, onde cada um se concentra na serenata... naquela noite estamos todos apaixonados, zen! Mas é só naquela noite e durante a serenata onde nos aconchegamos nas capas depois de (alguns) se terem aconchegado antes em alguns centilitros, litros, até, de álcool; que será reposto no fim da serenata até de manhã.
De manhã voltam alguns, os mais devotos desta tradição, os que não são só devotos de copos e farra nesta semana; para benzer as fitas. É a missa da Bênção das Fitas. É linda essa manhã. Fitas de todas as cores a esvoaçar, primeiro ao vento do terreiro, depois dentro da Sé pelo agitar dos estudantes.
É lindo aquele mar de cor: vermelho, azul, verde, castanho, amarelo, branco, roxo, rosa... todas as cores e toda a combinação de cores.
Este dia é lindo, e desde que instituíram (os senhores que querem vender), que o dia da Mãe é no primeiro Domingo de Maio; o Domingo da bênção das pastas é sempre dia da Mãe... emoções ao rubro, que atingem o seu máximo nessa tarde quando os filho recebem as insígnias. Troca de mimos...
E sobre a semana académica tinha muito para dizer. Que nem sempre foi assim, nem no
Porto, nem nas outras cidades.... estudantes eram alvo de perseguição durante o Estado Novo. Eram perseguidos e acusados de tudo e mais alguma coisa até só pelo simples facto de andarem em grupo. E graças a isso, cafés junto às faculdades ganharam fama e tornaram-se refugios da massa estudantil. O café Piolho, que fez 100 anos o ano passado, que é indissociável da faculdade de ciências. Sim , da famosa fonte, que deu nome à Praça, a dos Leões. A Faculdade de Ciências que, com a Torre dos Clérigos e a livraria Lello forma um triângulo digno de ex-libris da cidade.

E sinto saudades, saudades de quando ia de eléctrico até à Foz. Não há melhor forma de descer a Avenida da Boavista. No Verão com as janelas abertas a deixar entrar a brisa... indescritível.

E gosto de tudo no
Porto? Gosto sim, de quase tudo. Não gosto de não poder viver lá. Não gosto de já não ter lá os meus avós para visitar e não gosto quando a cidade é maltratada pelos próprios portuenses.
Não gostei quando 'plantaram' paralelos na Avenida dos Aliados e os jardins viraram 'calçadas', que nem portuguesas são! Não gostei quando o presidente da Câmara deixou que Gaia tomasse conta do fogo do São João. Dessa festa temos de ser nós, os portuenses, os anfitriões. Que venham todos de fora para assistir, mas não temos que ser visitas da nossa própria cidade como fomos nesse ano: na nossa própria visita a assistir a um espectáculo promovido pelo vizinho, vizinho que eu estimo.
E por falar em festa, lembrei-me da festa que era ir à feira do livro. Chovia sempre na feira do livro. Lembro-me de ouvir lá em casa:'Começou a feira do livro, vais chover'. Era certinho. Sempre me lembro de visitar a feira do livro, ora na Praça, ora na Boavista debaixo de chuva. Mas não tinha importância nenhuma. Íamos na mesma. Comprávamos livros, na mesma. O meu primeiro, e único, Dicionário da Língua Portuguesa, o da Porto Editora( tinha que ser) , foi lá comprado e oferecido pelo meu Pai, com direito a dedicatória. Ainda o tenho e, claro, depois destes anos todos, terei de comprar outro graças a um acordo ortográfico, mal amanhado e mal feito (na minha modesta opinião).

E o Brasília, o primeiro shopping da cidade? Foi um sucesso e ainda conseguiu resistir a uns poucos... ao Dallas, por exemplo... resistiu até ao dia em que o Sr. Belmiro, um senhor oriundo da terra da Carmen Miranda, decidiu entrar no negócio e invadir-nos com Norte Shoppings e afins. Aí, sim o Brasília deu o último suspiro, em frente a uma casa da Música no auge seu esplendor.

Eu não disse, que para falar do
Porto só precisava de papel, muito, e tinta, muita também?
Tão longa vai esta conversa e ainda não falei dos mercados, o do Bolhão e o do Bom Sucesso. Não falei dos cafés, do Magestic, do Imperial e outros como da Cunha, bem mais recente que estes últimos, mas onde nas tardes das férias de Verão, depois de uma boa sessão de cinema, me deliciava com uns magníficos gelados. Nunca comi melhores.
Pois, os cinemas, onde não havia pipocas (ainda bem!), onde vi filmes que tanto me marcaram como Kramer contra Kramer, Forest Gump, A insustentável Leveza do Ser e Danças com Lobos. Lembra-se Alberto, da tarde em que fomos ver o Dança com Lobos ao Coliseu com Kevin Costner no seu (único, talvez) melhor? Filme longo, mais longo que o esperado. Aproveitamos um intervalo das aulas para ir ver o filme. Como o filme demorou mais, falhamos duas aulas práticas, nós os certinhos, direitinhos, que nunca falhavam as aulas e de quem todos esperavam apontamentos. Lembro-me como se fosse hoje da cara dos nossos colegas quando nós, atrassadissímos, entramos porta da sala de aulas adentro. Parecia que tínhamos cometido o maior crime das nossas vidas!
Enquanto escrevo, as coisas vêm-me ao pensamento a uma velocidade maior da que me é permitida escrever... algumas delas varrem-se-me, sem que eu tenha tempo de as passar para o papel.
Ficam por escrever os passeios pela muralha Fernandina, as visitas aos alfarrabistas, as idas às retrosarias e lojas de bordados e... as compras de Natal à noite nas ruas da cidade. Mágicas estas noites: frio, chuva, às vezes, músicas natalícias e muito calor humano.

Deixar de falar dos autocarros de dois andares, é uma falha grande, principalmente quando nos lembramos do 78, o autocarro que dá (dava) a maior volta da cidade; ou do 88 que andava sempre aos pares... daí dizer que quando duas pessoas andam sempre juntas, dizer que parecem os autocarros de dois andares... pois há expressões mais feias, eu sei, e que se usam também, e não só, no
Porto.
E, e, e.... e pronto, não digo mais nada... estou nostálgica. Estou com saudades dos meus avós, da casa deles, da minha infância, da minha adolescência, dos cinemas, dos autocarros, dos passeios com os meus amigos, das queimas das fitas, das noites de S. João, do
Porto, do Porto...
Amo-te
Porto!

E você, Alberto, o Seu
Porto é igual ao meu?

7 comentários:

Becas disse...

Estou sem palavras ;-)
Parabéns aos dois
Becas

maria teresa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
maria teresa disse...

Uma excelente descrição do Porto, cidade onde não vou há mais de uma década (passei por lá a caminho de Tibães em Outubro), estou prestes a quebrar esse jejum, já prometi a mim mesma passar lá uma semana antes do Verão chegar.
No seu texto, "vê-se" o amor que tem por "ele".
Gostaria de sentir o mesmo por Lisboa que viu nascer, da parte materna, mais de quatro gerações da família, mas não sinto!

PS- Agradeço a sua visita ao meu cantinho e peço-lhe desculpa por a ter tratado como se fosse do "sexo masculino"...

25 de Março de 2010 09:32

Alberto Velez Grilo disse...

Ora aqui está a perspectiva do Porto que eu gostaria de ter...

Mas não se pode ter tudo :) Aos poucos chego lá...

Beijinhos

blogando-me1 disse...

Amiga passa lá no blog e deixa o teu endereço de mail para te enviar o convite para acedres ao meu novo blog.

Bjs fofos

Reflexos disse...

O vosso feedback é sempre bom para que continuemos a ter ânimo para escrever...

Obrigada Becas, Obrigada Maria Teresa, Obrigada Alberto.

Maria Teresa: Não tem importância nenhuma essa questão do sexo... sabe, eu vio pero de Tibães... em Braga

Pedro Coimbra disse...

Numa das minhas visitas a Portugal, a minha mulher (macaense) exigiu ficar três dias no Porto a matar saudades do tempo em que aí estudou.
Foram três dias óptimos, coroados com uma oferta singela mas cheia de significado - uma garrafa com o molho da francesinha oferecida num restaurante junto à Câmara cujo nome já não me vem à memória.