sábado, 3 de abril de 2010

Sábado, última hora II (Vítimas de abusos nos EUA querem sentar Papa no banco dos réus)

A notícia que comento hoje foi publicada no site do jornal Público no dia 1 de Abril.
Com o título Vítimas de abusos nos EUA querem sentar Papa no banco dos réus, a o Público diz o seguinte:

O Vaticano está a preparar a defesa do Papa nos Estados Unidos, num caso em que três cidadãos do estado de Kentucky querem levá-lo ao banco dos réus.

A acusação é de negligência e encobrimento de abusos sexuais por padres, quando o actual chefe da Igreja Católica era cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. É o primeiro caso em que vítimas procuram sentar directamente o Vaticano no banco dos réus, segundo o diário espanhol El País.
Os advogados do Vaticano defenderão, segundo documentos consultados pela Associated Press, que Bento XVI tem imunidade devido à sua condição de chefe de Estado, um argumento anteriormente aceite pela Justiça num caso no Texas, em 2005.

O defensor dos queixosos, William McMurray, citado pelo El País, considera que o argumento não é válido. “No caso do Texas, o Papa foi acusado directamente dos abusos. Este caso é diferente: é acusada uma pessoa, Joseph Ratzinger, de ter encoberto abusos e de ter protegido abusadores quando era cardeal e responsável pela supervisão dos bispos”.O advogado pretende que a acção se converta numa queixa colectiva de todas as vítimas de abuso sexual por sacerdotes nos EUA.

Entre os elementos de acusação, o advogado inclui o documento conhecido como Crimen Sollicitationis, emitido pela Congregação em 1962, no qual se assegura que os abusos pederastas estão protegidos pelo “segredo do Santo Ofício”. Os advogados do Papa defenderão que, na linguagem do Vaticano, este texto não recomenda expressamente aos bispos que não avisem as autoridades dos abusos sexuais.

O Vaticano argumentará também que os membros da Conferência Episcopal dos EUA não são assalariados da Cúria Romana e que, por isso, este não pode ser considerado como o responsável último pelas suas decisões.
Para Filippo di Giacomo, padre e especialista em direito canónico, a tentativa de incriminar directamente o Vaticano “é uma idiotice”. “A Igreja não é uma multinacional do tabaco. Não se pode acusar o Santo Padre dos delitos de alguns padres. Nós não somos seus empregados e ele não pode ser responsável por casos particulares. Cada bispo controla as suas dioceses”, disse, citado também pelo diário espanhol.


(...) o peso da dor nada tem que ver com a qualidade da dor. A dor é o que se sente. Nada mais. Desisto definitivamente de me iludir com a minha força de adulto sobre o peso de uma amargura infantil. Exactamente porque toda a vida que tive sempre se me representa investida da importância que em cada momento teve. Como se eu jamais tivesse envelhecido. Exactamente porque só é fútil e ingénua a infância dos outros - quando se não é já criança.
Excerto do romance 'Manhã Submersa', de 1953, adaptado para o cinema por Lauro António em 1980.

Enquanto lia a notícia escolhida pelo Alberto para tema de comentário, lembrei-me deste livro/filme. Lembrei-me que esta obra é o relato fiel do que se passava no nosso país nesta época: crianças pobres eram internadas em seminários em busca de melhor vida. Era uma vontade dos pais, que o conseguiam graças às influencias de pessoas abastadas da terra, que passavam a seus tutores. Essas crianças não tinham direito a opinião, apesar de ser o futuro delas que estava em jogo. Em muitos casos, quase todos, até os próprios pais deixavam de ter esses direitos, que passavam para os tutores a partir do momento em que eles conseguiam a admissão das crianças no seminário. Muitos desses menino, que nunca o foram, são os padres que temos hoje.
Meninos que não foram e homens que não pod
em ser. E tudo em troca de uma infância sem fome, de uma juventude sem ir para a guerra do ultramar (se bem que alguns foram) e uma existência sem vida própria.
Re-li a notícia. Enquanto a re-lia
vinham-me à memória também flashes de relatos de pessoas sobre instituições geridas pela igreja.
O caso de um colégio, famoso e caro, da cidade dos arcebispos, em que as crianças são sujeitas a regras severas e confrontadas com situações pouco adequadas aos nossos dias.
As meninas, e estou a falar de crianças até aos doze anos, não podem ir de mini-saia e os rapazes não podem ir de calças largas.
Quando as crianças não comem são ameaçadas com a chamada do director, um padre, que para dar o exemplo, por várias vezes, enfiou a comida pelas boca dentro das crianças. Para isso usou a técnica de lhes apertar o nariz para os obrigar a abrir a boca.
Essa instituição tem alunos internos, que ao ter os pais distantes, são vitimas de castigos ainda mais severos, dos quais só uma quota parte transpira para o exterior pela boca dos externos, que da 'missa não saberão a metade'.
De abusos sexuais não há relatos, mas os psicológicos são sabidos e ninguém faz nada. Os pais reclamam e a resposta, dada a grande procura que há pelo dito estabelecimento é:'A porta da rua é serventia da casa.'
Uma amiga minha tem dois sobrinhos adoptados. Essas crianças vieram de uma instituição, de padres, também, onde os castigos são pouco apropriados para crianças de 5 e 8 anos.
Quando a irmã dela os foi ver pela primeira vez, os meninos vestiam roupa apropriada para crianças com menos dois anos e tinham os dentes podres. Quando ela ganhou direitos de família de acolhimento de fim-de-semana, levou-os ao dentista. Foi advertida e avisada de que se o voltasse a fazer seria penalizada no processo de adopção. Assim as crianças tiveram de continuar com os dentes podres até serem adoptadas, dois anos depois!
Dos castigos relatados por eles, retive um que me impressionou particularmente: de joelhos, em cima da gravilha do recreio, a caminhar com as mãos a segurar os pés!
Volto a frisar: ambos são geridos por padres.
Lembro-me que quando tinha 11 anos e numa aula de religião moral perguntei ao professor, padre, porque é que os padres não casavam, a resposta foi: 'Porque não ganham o suficiente para sustentar uma família'.
Sem me dar por convencida ripostei:' MAs o senhor padre tem um carro igual ao do meu pai, tem uma empregada e vive numa casa da paróquia... e dá aulas aqui, logo ganha um ordenado.'
Calou-se e tentou convencer-me que ele era um caso especial e que nem todos os padres podiam dar aulas e a conversa ficou por ali. Não sei se porque a aula acabou ou se porque eu apaguei da minha memória os outros argumentos dele.
Da mesma paróquia e uns anos mais tarde, quando resolvi casar, tive que visitar o padre, outro já, para acertar pormenores relativos ao casamento. Fiquei surpreendida com a quantidade de fotografias de crianças que ele tinha no escritório dele. 'Que lindos bebés!', comentei. Apressou-se, e em vez de agradecer o elogio, a dizer que eram afilhados. 'Parabéns, são muito lindos.', rematei sem dizer mais nada. Afinal, quase, todos os padres têm muitos afilhados e todos os padres têm uma prima ou governanta a viver com eles, que por acaso, e só por acaso, são mães solteiras... de filhos de pais desconhecidos.
O padre da freguesia onde eu nasci, quando os meus pais eram solteiros, fugiu com uma rapariga da freguesia, amiga deles. Naquela época os jovens tinha a sua liberdade condicionada, mas se fossem para os grupos de jovens o para a catequese, o espírito de beatice das mães e avós, davam toda a liberdade.
Fugiram para França e pouco mais se soube so
bre eles.

Estou ainda a lembrar-me de uma figura do clero, falecida há pouco, que se fazia passear ora de Audi A6, ora de Mercedes pela cidade, tendo o últimos, dizem, sido oferta dos amigos aquando de um dos seu aniversários. Tinha muitos afilhados, esse também.
Estes homens, são na sua maioria homens que pagaram um preço muito alto pelo 'pão' da sua infância.
Trocaram 'pão' por amor, carinho, paixão... mulher, filhos, netos..
Ficaram sós, à sua mercê, num mundo só deles, numa luta constante entre o que queriam e o que podiam. Nada, afinal, lhe foi ensinado, a não ser '
Viver para Deus.', mas nem isso lhe foi passado da melhor forma. Não lhes disseram que, mesmo podendo viver para Deus, podem ser homens na mesma, ter um papel activo na sociedade e podem amar e ser amados.
Os que conseguiram lá chegar, são hoje bons homens, que vive e convivem com a sociedade, servem Deus tão bem, ou melhor que os outros e fazem muito pelo próximo. E são muitos, a sua maioria, acredito, quero acreditar.
Os que não chegaram lá, tornaram-se pessoas distantes, sem vida própria, egoístas que, por sabe-se lá porquê, porque estão zangados com a vida, talvez; fizeram de outros vitimas da sua frustração ( a palavra mais leve que encontrei..).

E agora ao ler o último parágrafo da notícia:
“A Igreja não é uma multinacional do tabaco. Não se pode acusar o Santo Padre dos delitos de alguns padres. Nós não somos seus empregados e ele não pode ser responsável por casos particulares. Cada bispo controla as suas dioceses”, disse, citado também pelo diário espanhol. "

Precisa de comentário?!


Como li
aqui:
A igreja trocou o cálice sagrado pelo cale-se sagrado.
E você, Alberto, o que acha desta notícia?

2 comentários:

Anónimo disse...

"Não se pode acusar o Santo Padre dos delitos de alguns padres." - É verdade! Mas pode-se acusa-lo de defender e encobrir os padres que fazem esses delitos! Ao fazê-lo só demonstra que é igual aqueles que os praticam, que na minha opinião, sao gravissimos!
Por isso, devem ser punidos pelos seus actos.
A religião é uma prisão. Eu, pessoalmente, perdi muito da minha juventude devido ao mêdo de "pecar"! Hoje, a religião näo tem valor algum para mim.
Tenho principios.
Tenho respeito e consideracão pelo próximo. Seria bom que muitos destes "santos padres" fizessem o mesmo: respeitar as criancas, que são o nosso futuro, e que têm direito, simplesmente, a serem criancas!

Alberto Velez Grilo disse...

Gostei das palavras da Lágrima d'Ouro.

Neste mundo há pessoas boas, ou com bons sentimentos, e pessoas más, ou menos boas.

Isto não tem nada a ver com religiões ou credos.

Eu conheço cada católico... que nem vos falo!