quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Avô Reis

Hoje, quando falava ao telefone com a minha Mãe, diz-me ela no seguimento de uma conversa:
-Ainda hoje disse ao Pai: 'Já nos conhecemos há mais de cinquenta anos! Sempre resmungamos, mas agora estamos cá uns resmungões!
Ri-me, pois se há coisa que de que a minha família se pode gabar é da resmunguice. Só o Avô, o Reis, escapava a esta 'patente'! Mas é que é de lado a lado...
O Avô, o Reis, esse era a pessoa mais calma que eu já conheci. Nunca o ouvi falar alto, nunca o vi irritado com nada nem com ninguém! Não sei se será bom ou mau. No caso dele talvez tenha sido mau, pois começou a sofrer de depressões ainda não tinha cinquenta anos e nunca mais delas se separou! Era um Homem, estranho, diferente. Deve ter sofrido muito, mas para ele, pois sempre se pôs em cima de um pedestal e do cimo dele comandou a família... até uma certa altura.
Este Homem tem uma história de vida diferente, chamemos-lhe assim.
Filho de um segundo casamento da mãe, do qual havia uma irmã, também. Do primeiro casamento havia um irmão, o tio Durval, era assim que todos se referiam a ele. Era mais velho que o Avô quase vinte anos, e para o Avô era como um pai, o pai que ele mal conheceu, pois faleceu quando o Avô tinha cinco anos.
A mãe do Avô, faleceu, tinha o Avô quinze anos. Suicidou-se. Não aguentou a pressão da dividas e pôs termo à vida com remédio do escaravelho, contava a avó, que também não a tinha conhecido.
A mãe do Avô, que se chamava Josefa, era rica, muito rica, por casamento com o pai do Avô. Do sítio onde moravam, era dona de quase todas as casas, o que na época era sinal de riqueza. Com a morte do marido, não soube gerir os bens e, não aceitando a ajuda do tio Durval, começou a pedir dinheiro, dando as casas como caução. Claro, que como não pagava, perdia as casa. Naquele tempo era assim...
Sobrou uma casa, que não pôde ser vendida porque era herança do Avô e da tia Palmira, a irmã. Tinha sido presente das tias gémeas do Avô.
O Avô, se pai nem mãe e sem dinheiro, aos quinze anos, foi trabalhar como carpinteiro. Ficou a viver na casa dele e da tia Palmira, que mais velha que ele, entretanto casara e fora viver para o Ilhéu. Não, não é no Brasil, é um bairro na zona de Campanhã que se chama(va) assim.
Um dia conheceu a Avó, filha de um Alentejano e de uma Lisboeta de origens espanholas, que haviam no início do século, o passado, emigrado para o Porto atrás de um emprego na 'fábrica das garrafas', a Barbosa e Almeida.
Namoraram, e casaram numa tarde de Setembro de 1940. Foi um namoro rápido e sempre vigiado. Mesmo assim a Mãe nasceu em Janeiro do ano seguinte. Passaram fome, muita fome, conta avó, era guerra e havia pouco trabalho!
O Avô, que para a época era um homem já com alguma escolaridade, apesar de trabalhar como carpinteiro, um dia resolveu concorrer para a polícia. Passou nos testes todo, mas não foi admitido: era alto e magro demais. Tinha 1,90m de altura. Hoje um homem com 1,90 é alto, imaginem na década de 40!
À segunda tentativa conseguiu, com a ajuda do tio Durval, que tinha uns amigos influentes e ajudaram!
Contava a Avó que o Avô dizia que só aceitava porque queria dar uma vida melhor à família. Era contra os princípios dele aceitar estas coisas!
Bom, aceitou, melhorou de vida, entusiasmou-se e recomeçou a estudar. Foi promovido, foi destacado para Viseu durante dois anos, voltou com uma patente mais elevada e aos 40 anos era subchefe.
Contava muitas histórias de quando estava na polícia. Dele fardado não tenho recordações, só em fotos.
Sempre fui uma boa ouvinte de histórias. Há até histórias da família que só eu sei! Às vezes dou comigo a contá-las aos meus pais e qual não é o meu espanto quando descubro que eles não as sabem!
Do meu Avô sei muitas histórias. Contava-mas ele no adro da capela de S. Pedro, no Verão, naquelas noites de Céu estrelado. Como eu gostava de ir para casa dos Avós no Verão. E que bom era ir para o adro da capela à noite ver as constelações! Enquanto olhavamos para a ursas, a menor e a maior, ele lá me ia contando as histórias. Para todas as histórias dele havia uma moral, aliás, ele tentava tirar sempre a moral de tudo porque fazia ou dizia!
Está a fazer-me muito bem estar a escrever estas palavras sobre o meu Avô, mas já vai longa esta conversa e, não querendo abusar do tempo de quem me está a ler, com a promessa de voltar a falar do meu Avô, termino aqui esta partilha.
E já viram onde veio parar a conversa?

2 comentários:

Anónimo disse...

Adorei esta história, sabe tenho uma grande magoa de não conhecer o meu Avô paterno como materno ambos faleceram quando os meus pais tinham 8 anos.

Os meus pais nunca me falaram deles e por isso não tenho nenhuma história dos meus avôs.

Muitos parabéns por esta história e obrigado por ter partilhado.
Posso lhe dizer que gosto muito das suas histórias porque têm sempre uma moral, a qual, podemos pôr em pratica na nossa vida.

Um grande beijinho e um bem Haja para si.

Reflexos disse...

Obrigada.
A razão da existencia deste blogue é exactamente a de dar a quem quiser pegar...