quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quinta, Lugares Cruzados VII (Cafés)

O tema escolhido para hoje, pelo Alberto, é Cafés.



Agrada-me o tema, concerteza!
E por onde começar? E como começar? E como acabar?
Lembro-me, em São Mamede de Infesta do Café Moçambique,. Um café enorme, daqueles onde entravamos e tínhamos dificuldade em avistar o balcão lá no fundo. Os empregados circulavam de casaco branco com botões dourados, sempre de bandeja na mão. Preso ao cinto traziam uma bolsa de couro sempre atestada de moedas. As notas, essas eram guardadas no bolso de trás das calças, pretas essas.
Dentro do café havia o quiosque do Sr Bento. O Sr Bento era também o contador e cobrador da água. Quando ele andava nas contagens e nas cobranças, quem estava no café era a Geninha, a filha.
A Geninha era uma rapariga muito singular. Gorducha, loira e sardenta. Vestida e maquilhada sempre a preceito, lá estava ela sentada num banco de madeira por detrás do balcão, de onde nem se levantava para atender os clientes. Do sítio onde estava, chegava ao tabaco, a todos os jornais e à máquina do totobolo.
Muitos homens, aos grandes frequentadores do café, olhavam para ela de soslaio, com um ar maroto, nos dias em que ela carregava no vermelho do baton e exagerava no decote. Mas ninguém dizia nada. Todos se conheciam, todos respeitavam o Sr Bento.
Ao fundo do café, numa porta ao lado do balcão, tinha escrito 'Sala de Bilhares'. Nunca lá entrei! Para além de não ser para a minha idade, o meu pai ficava-se sempre pelas mesas da entrada, depois de comprar os jornais e o maço de SG Gigante.
Apesar da sua enormidade, todos se conheciam, todos falavam entre si e, quando alguém não ia, já estavam os empregados a serem questionados sobre a ausência dessa pessoa.
E de que se falava naquele café?
Não sei. Não me lembro.
Tenho a imagem do meu pai sozinho lá sentado a ler o jornal e a fumar o SG Gigante. Tenho a imagem dos meus pais lá com outros casais, em que as mulheres se agrupavam de um lado a falar e os homens de outro, enquanto nós, as crianças andávamos a cirandar pelo café, obrigando muitas vezes os empregados a usarem dos seus dons malabaristicos para não mandarem as bandejas ao chão.
Um dia o café fechou para obras. E as obras deram lugar a encerramento, venda e... um super mercado, que mais tarde acabou nas mãos do Pingo Doce.
A Geninha foi trabalhar para a padaria Aliança e o Sr Bento dedicou-se só às contagens e cobranças da água.
Era o último grande café de São Mamede. O outro, o Libolo igualmente grande, não fechou, mas uma remodelação transformou-o em snack bar e limitou-o a meia dúzia de cadeiras.
Se do Moçambique pouco me lembro de conversas, do Libolo, já me lembro de o meu pai, já no pós 25 de Abril se reunir com os amigos do partido e de haver grandes movimentações politicas.
E estou a esquecer-me do Sol Poente, o café da Pedra Verde. Da época dos outros, só o comecei a frequentar no secundário. Houve um período em que a minha vida era feita naquela zona: a minha estabeleceu-se por lá e a minha escola ficava duzentos metros abaixo.
Nos intervalos vínhamos ao café lanchar e nos dias em que a minha mãe não tinha tempo de cozinhar, falava com a D. Maria da Luz, uma das donas e cozinheira, e ela preparava-me um almoço, fora dos pregos e dos cachorros.
O Sol Poente era de três irmãos que tinham regressado da Venezuela no final da década de sessenta e tinham investido as economias naquele café.
O Sr Tiago, desde que o café fora assaltado, fazia o turno da noite, dormia lá, ligava as máquinas e esperava que Sr Gil e a D. Maria da Luz chegassem por volta das oito horas.
Sim, porque naquele tempo, as máquinas não tinham programadores e tinham que ser ligadas um par de horas antes.
Passou a ser o meu café de eleição, onde ia, já sem os meus pais e onde m reunia com os meus amigos.
Muito namoros começaram e acabaram ali. Pelo meio alguns casamentos, troca de pares e muitas amizades feitas e desfeitas.
O café tinha duas salas. Numa reuniam-se os 'miúdos' e noutra os pais, pela conta de quem ficava a despesa.
Passavam-se noites de verão deliciosas naquele café. As vidraças abriam e ligava-se a uma esplanada onde no calor da conversa ficávamos até altas horas da noite.
Aquele café, realmente atravessou uma grande parte da minha vida, não em tempo, mas em intensidade.
Eu já não o frequento, mudei de cidade, mas tenho amigos que de ir lá pelo colo dos pais, agora já têm filhos a frequentarem a parte dos 'miúdos'.

Confesso que não sabia como começar e já não recordava estes cafés há muito.
Mas agora que os fui buscar ao fundo do baú, apeteceu-me um dia visitar o café Sol Poente, ou talvez não.

E você, Alberto, qual o seu café do de eleição?

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